segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A DIDÁTICA NA FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE PROFESSORES NAS NOVAS PROPOSTAS PARA OS CURSOS DE LICENCIATURA

Postado por Lília Maria Mendes Bernardi

A DIDÁTICA NA FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE PROFESSORES NAS NOVAS PROPOSTAS PARA OS CURSOS DE LICENCIATURA

Pura Lúcia Oliver Martins - PUCPR
Joana Paulin Romanowski- PUCPR

A Didática enquanto área do conhecimento é marcada por um movimento nacional iniciado na década de 1980 do século passado, quando um grupo de educadores sensível às questões do seu tempo, reunido na PUC do Rio de Janeiro, a colocam em questão. Nessa iniciativa está à origem desse encontro nacional de educadores que em 1989 passou a ser denominado ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino na sua V versão, nesta mesma casa que hoje acolhe o XV ENDIPE.
Colocar em discussão a didática e os processos de formação de professores neste início de século é urgente. Mais ainda se essa discussão se faz em um dos espaços mais importantes da área de educação: o ENDIPE. É uma história que se constrói no movimento de educadores-sujeitos e mostra que determinados momentos históricos tiveram e têm uma importância significativa na reconstrução do campo da Didática.
Nossa inserção acadêmica na área no início da década de oitenta do século passado, coincide com um momento de intensa discussão em torno da identidade da Didática. Hoje, quase três décadas depois, quando o ENDIPE realiza a XV edição e a ANPEd realiza sua 33ª. reunião anual, o GT de Didática, faz um balanço de sua trajetória e nas discussões do grupo a identidade da área e seu objeto de estudo, seu lugar na formação de professores são colocados novamente em questão. E novamente somos chamados a refletir sobre o campo da Didática, a especificidade do seu objeto de estudo e sua importância nos processos de formação de professores.
Ao longo desse período nossos estudos e práticas na formação do educador desenvolvem-se num processo de pesquisa-ensino que problematiza a prática pedagógica, analisa-a criticamente e propõe novas práticas tendo em vista contribuir, por um lado, com a ação docente dos envolvidos na pesquisa e, por outro, coma área da Didática, levantando princípios relativos ao seu campo de conhecimento e ao processo metodológico para o seu ensino, na formação de professores.
Nessa trajetória, apoiadas no eixo epistemológico da teoria como expressão de ações práticas e, em sintonia com o movimento de revisão da Didática, foi possível desenvolver e sistematizar uma metodologia de sistematização coletiva do conhecimento (MARTINS, 1989) e princípios orientadores para o campo da Didática (MARTINS, 1998), além de sistematizar momentos históricos que marcam as práticas pedagógicas desenvolvidas por professores dos vários níveis de ensino ao longo das últimas três décadas. No atual momento, nossos estudos focalizam a Didática nos processos de formação de professores nos cursos de licenciaturas, diante das novas diretrizes estabelecidas para estes cursos pelo Conselho Nacional de Educação no ano de 2002.
Para encaminhar a reflexão sobre a didática na formação pedagógica do professor nas novas propostas para os cursos de licenciatura, o texto está estruturado em quatro partes fundamentais intimamente relacionadas, quais sejam: I). breve contextualização do objeto em estudo; II) os processos de formação pela iniciativa das universidades públicas e privadas do Paraná; III) a Didática nas propostas curriculares das licenciaturas, IV) considerações finais.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO EM ESTUDO

Os cursos de formação de professores, no Brasil, desde a sua criação em meados do século XIX, com os cursos normais para formar os professores para o ensino primário, e em 1934 os cursos de licenciatura, têm sua organização definida pelos órgãos governamentais, ainda que associações, fóruns, encontros de pesquisadores e professores mantenham permanente mobilização e debates sobre essa questão. A organização e a prática realizada nestes cursos, especialmente as licenciaturas, apresentam-se com inúmeros problemas. Pesquisas, estudos e análises realizadas, nas últimas décadas, apontam o quadro desses problemas.
Ressalta-se que os estados da arte sobre a pesquisa em formação de professores realizados por André (1999), Romanowski (2002), apontam poucos estudos sobre a formação pedagógica do professor considerando a proposta do curso em sua totalidade. Observa-se que a maioria dos estudos refere-se a uma disciplina. Soma-se a isso o que é recorrente nas pesquisas e estudos da área: a formação pedagógica do professor é pouco valorizada nos cursos de licenciatura.
Segundo estudo de Romanowski (2002), as pesquisas realizadas nos anos de 1990 sobre os cursos de licenciaturas, corroboram as críticas e denúncias sobre esses cursos feitas desde a década de 1980 como, por exemplo, os estudos de Balzan e Paoli, (1988) sobre a desintegração entre as áreas de conteúdo e as de formação pedagógica; o estudo de Candau (1988) publicado sob o título Novos Rumos da Licenciatura que examinou as concepções dos professores e dos licenciados; as experiências desenvolvidas nos cursos apontando subsídios para a reformulação do curso, dentre outros. Tais estudos indicam a permanência da estrutura universitária departamentalizada impedindo discussões coletivas para a superação das dicotomias existentes.
Com efeito, nem mesmo as reestruturações institucionais têm possibilitado uma articulação orgânica dos cursos de licenciatura. Observa-se que em alguns casos essa reestruturação tem diminuído e restringido a inclusão dos professores da área pedagógica na definição desses cursos, agravado pela expansão com diminuição de custos, como aponta Taffarel (1993).
A consolidação dessa estrutura mantém esses cursos híbridos e desintegrados (GATTI, 1997) evidenciando uma permanente dicotomização. São duas áreas de formação a de conteúdos específicos e a de conteúdos pedagógicos. Estes são organizados em dois momentos, quais sejam, o de fundamentação teórica e o de iniciação profissional realizada no estágio. São dois espaços de formação que se mantêm distanciados e distintos: o das instituições formadoras e o do exercício profissional, além da departamentalização sem que se possibilite a organicidade e identidade dos cursos de licenciatura articulados com as prioridades e finalidades da educação básica.
A propósito, em pesquisa recente sobre a reformulação dos cursos de Pedagogia, Gatti (2008) destaca que disciplinas específicas para a docência, nestes cursos, consubstanciam-se restritamente às disciplinas de Didática e Metodologias de ensino.
Com efeito, os cursos de licenciaturas inauguram um modelo de formação de professor com base em áreas de conhecimentos desenvolvidos separadamente, como paralelas,uma de conhecimentos específicos e outra de pedagógicos, bem como com estatuto diferenciado, bacharelado e licenciatura, no conhecido esquema 3+1. Inclui-se nesse processo de formação a separação entre as universidades (instituições formadoras) e as escolas (local de trabalho do professor) como aponta Dias da Silva (2005).
Observa-se que a prática pedagógica, os procedimentos e processos metodológicos, dos professores dos cursos de licenciatura, em sua maioria não procuram promover inovações. Ao contrário, permanece rotineira indicando resistência à promoção da mudança e das concepções existentes. A realização da pesquisa e reflexão nos processos de formação é pouco valorizada. A propósito, a pesquisa de Lüdke (1994) ao examinar as licenciaturas destaca como questões desafiadoras que dificultam a implementação de novas propostas o modelo de Universidade existente que não valoriza nem estimula em seu interior a formação de professores; a existência de uma hierarquia entre os cursos no interior da instituição; afastamento entre as escolas do ensino básico e a universidade; a desintegração entre as diferentes áreas de formação, questões recorrentes nas pesquisas examinadas, ou seja, as inovações realizadas nestes cursos não produzem alterações significativas na reformulação do curso em totalidade. Inegavelmente são inovações importantes, mas parciais.
As propostas de inovação analisadas por Lüdke (1994) caracterizam-se por favorecer os processos de formação; compreensão de que as áreas específicas constituem áreas de formação de professores articuladas à área de formação pedagógica; entendimento de que o processo de formação do professor, assume multidimensões como as dimensões cognitiva, cientifica, política e emocional estreitamente articuladas entre si; busca de construção do espaço interdisciplinar por meio de atividades e conhecimentos articulados; promoção da pesquisa no ensino valorizando as atividades investigativas na formação docente; apoio e reforço para a realização de atividades coletivas que permitam uma nova práxis a partir de reflexão crítica conjunta; conscientização da importância dos determinantes estruturais e psicossociais como a desvalorização da profissão de professor.
As inovações e iniciativas de ruptura deste quadro tiveram significativo avanço conforme apresenta Gatti (1997), em propostas alternativas experimentais desenvolvidas na Universidade Federal de Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Fluminense, na Universidade de Campinas, na Universidade de São Paulo, na Universidade de Ijuí, e na Universidade Aberta de Brasília. Ressalta Gatti (1997, 66) que a inovação na Universidade de Mato Grosso é “estrutural sem equivalente em outra instituição”, implantando um Instituto de Educação, “onde a formação em todas as licenciaturas é desenvolvida com o aporte dos institutos básicos” e além disso foi implantada a Licenciatura em Educação Básica para professores de 1ª a 4ª série. Outras inovações que atingem o conjunto de cursos de licenciatura são as da UFRJ, com aprovação de resolução do Conselho de Ensino que determina uma nova organização dos setores responsáveis pela formação dos licenciandos embora abranja uma disciplina, um pequeno grupo de professores.
No entanto, mudanças estruturais não ocorreram, as experiências atingem uma turma, um curso, e não raro a prática de um professor que por esforço pessoal realiza um processo metodológico de formação diferenciado.
Atualmente, o Parecer 09/2001 e as Resoluções 01/2002 e 02/2002, do Conselho Nacional de Educação, apresentam uma nova proposta para os cursos de formação de professores não atrelada ao bacharelado, mas a ele articulados, o que pode significar um novo rumo para estes cursos, porém ao valorizarem as competências no perfil profissional dos professores podem estar acentuando uma formação técnica. A ampliação da carga horária de prática de ensino a ser desenvolvida no decorrer do curso certamente representará uma nova configuração destes cursos, o que exige um acompanhamento pelos pesquisadores avaliando a implantação destas mudanças.
Dias da Silva (2005) aponta aspectos centrais destas Resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE), em que a implantação nos cursos de licenciatura “podem ter resultado na negação do papel formador que cabe à área de Educação, decorrentes da banalização e/ou negação do conhecimento educacional.” Nas palavras da autora:

A nova legislação impactou as universidades” por ter sido um processo de imposição de duração e a carga horária, a obrigatoriedade de cumprimento de créditos curriculares destinados à realização de atividades de natureza “prática”, 1000 horas destinadas a: 400 horas de “prática como componente curricular”, 400 horas de “estágio curricular supervisionado de ensino”, além de 200 horas de “outras formas de atividades acadêmico científico-culturais.

Destaca-se, que desde 1985, na organização das matrizes curriculares foram introduzidas as chamadas disciplinas integradoras, entendidas como metodologias ou didáticas especiais, criadas em alguns cursos.
No que tange à Didática, em estudo recente apresentado na VII Reunião da ANPEd Sul em Itajaí- SC, Martins e Romanowski (2008), procedem a um levantamento sobre o estado do conhecimento na área, apresentado nas teses do período de 2004 a 2006, e constatam que a disciplina de didática, diferentemente do que se verificou na década de oitenta do século passado, nos meios acadêmicos, voltam a valorizar questões mais específicas, deixando de abordar a didática numa dimensão de totalidade. Os poucos estudos que abordam as questões do ensino – objeto de estudo da Didática – limitam-se a focos pontuais com a valorização de estratégias de ensino ora focalizando os recursos didáticos e o uso de tecnologias da informação e comunicação; ora tomando o método numa determinada orientação teórica numa determinada disciplina ou área de conteúdo. A questão da relação da formação inicial de professores com as práticas desenvolvidas nas escolas de educação básica, marca importante daquele período, não são hoje priorizadas, ainda que as novas diretrizes determinem a ampliação da carga horária destinadas às atividades práticas que via de regra acontecem nos espaços escolares.
A propósito, Dias da Silva (2005, p. 6) referindo-se a essa ampliação de carga horária escreve:

a questão central passou a ser aritmética: impregnados por uma cultura organizacional legalista, acostumada ao estabelecimento de currículos mínimos para cursos de graduação, aliada aos eternos embates bacharelado & licenciatura, o resultado imediato dessas resoluções para nossas universidades se reduziu ao loteamento de horas na grade curricular, com conseqüências desastrosas para a construção do conhecimento dos futuros professores.

Além disso, o que se observa é uma concepção de relação teoria e prática que prioriza a aplicação dos conhecimentos teóricos na prática. Em outros termos, a concepção de teoria como guia da ação que reafirma a dicotomização desses dois pólos do conhecimento.
Esses indicadores mostraram a urgência de se analisar a formação do professor no contexto das reformulações dos cursos de Licenciaturas em relação as prioridades estabelecidas e as implicações com as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola básica. E colocam questões tais como: na reformulação dos cursos de Licenciaturas, quais as prioridades estabelecidas para a definição da formação pedagógica dos professores? Que lugar a Didática ocupa nessa formação? Essa disciplina se articula com as práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas de ensino básico?

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO PELA INICIATIVA DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS NO PARANÁ

Para compreender o lugar da Didática nos processo de formação de professores no contexto das novas diretrizes curriculares das licenciaturas, selecionamos como campo de investigação universidades públicas e particulares do estado do Paraná por meio de análise documental e entrevistas semi-estruturadas numa abordagem qualitativa de pesquisa. Tomamos como eixo epistemológico a concepção de que a teoria é a expressão de uma determinada prática e não de qualquer prática. Nesse paradigma, a prática não é dirigida pela teoria, mas a teoria vai expressar a ação prática dos sujeitos.
São as formas de agir que vão determinar as formas de pensar dos homens. “A teoria pensa e compreende a prática sobre as coisas, não a coisa. Daí, a sua única função é indicar caminhos possíveis, nunca governar a prática” (BRUNO 1989:18). A base do conhecimento é a ação prática que os homens realizam através de relações sociais, mediante instituições. O pressuposto básico é que “o homem não reflete sobre o mundo, mas reflete a sua prática sobre o mundo. (BERNARDO, 1977, v. 1, p. 86). Dessa forma, ““... o conhecimento é sempre o conhecimento de uma prática, nunca da realidade natural ou social.” (SANTOS 1992:29).
Assim, voltamos nosso olhar para a organização dos cursos de formação de professores e para o que essa organização expressa nesse momento histórico. Para tanto, procedemos a um mapeamento das propostas curriculares dos cursos para em seguida buscar junto aos agentes envolvidos no planejamento e desenvolvimento dessas propostas as formas e práticas desenvolvidas por eles.
O estudo vem mostrando que as instituições de educação superior do estado do Paraná estão em processo de alteração de suas propostas de cursos de licenciaturas tendo em vista as determinações legais do Parecer 09/2001 e Resoluções 01/2002 e 02/2002, aprovados pelos Conselho Nacional de Educação. Há um movimento que busca atender à nova proposta para os cursos de formação de professores não atrelada ao bacharelado, mas a ele articulados e com ampliação da carga horária para as atividades de prática de ensino. Contudo, observa-se que enquanto as instituições privadas procuram atender às determinações do CNE, as públicas, fazendo uso de sua autonomia, nem sempre respondem a essas determinações. Observa-se um movimento mais intenso nas instituições privadas no sentido de criar espaços de discussão para os agentes envolvidos nos cursos.
Uma das universidades particulares, aqui identificada pela letra A, por exemplo, criou uma coordenação geral dos cursos de Licenciaturas que tem um papel articulador nas discussões e proposições para esses cursos. Já outra universidade particular, aqui identificada com a letra B, mantém um fórum de Licenciaturas, espaço no qual se analisam as proposições dos diversos cursos e buscam uma articulação entre estes.
A coordenadora das Licenciaturas da universidade A informa que das 800 horas regulamentadas para estágios, 400 são distribuídas durante o curso. E as outras 400 horas são destinadas ao estágio supervisionado. Nas palavras da coordenadora:

Em média, 10% de cada uma das disciplinas devem articular suas disciplinas com prática. Quando ele aprende morfologia, por exemplo, de que forma essa aprendizagem é aplicada na prática.(...) Também temos grupos de estudo interdisciplinar onde nossos alunos são levados à reflexão.

E acrescenta:

Essas 800 horas estão hoje muito questionadas porque dizem que nós ficamos muito mais na questão teórica do que na prática. Nos nossos cursos, nós de licenciaturas, buscamos não fazer esse enfoque “vocês tem muita teoria e pouca prática”, nossos alunos são levados a uma reflexão. O professor, mesmo fora dos 10%, vai trabalhar o estudo de caso, uma reflexão com os alunos dentro da universidade. Nós temos também os estudos interdisciplinares que são projetos de pesquisa. Esses estudos vão do 1º. Ao 5º.. períodos.

Observamos uma iniciativa de trabalhar a relação teoria e prática ao longo do curso e no interior de cada disciplina que compõe o currículo. Além disso, o grupo está buscando uma integração das disciplinas de fundamentos comum a todas as licenciaturas que eram trabalhadas de forma isolada e em tempos diferentes de acordo com o colegiado de cada curso. Isso acarretava problemas, segundo a coordenadora, porque muitas vezes os alunos iam para o estágio sem a fundamentação necessária.
Assim ela explica:

Na integração das licenciaturas, nós descobrimos que nós tínhamos fundamentos antropológicos, sociológicos e didáticos dados em todas as graduações. Porém, cada coordenador, junto com seu colegiado decidia em que momento do curso o aluno deveria ter aquela disciplina. O que acontecia era que muitas vezes ele ia para o estágio sem os fundamentos. (...) Nós decidimos integrá-las, fizemos um grande seminário de integração de licenciaturas, nós reunimos todos os professores.

(...) Agora nós integramos as licenciaturas, eu tenho nas quartas-feiras, nosso dia de integração, na mesma sala reunidos alunos de três ou quatro cursos.

Com relação à proposta de práticas e de estágio, percebemos que a instituição busca manter essa integração articulando teoria e prática entre as disciplinas de fundamentos e a ação do aluno na escola. Há uma preocupação de estabelecer a estreita relação entre as disciplinas teóricas – didáticas específicas, metodologias específicas por área de conhecimento. Contudo numa perspectiva de aplicação prática: “de que forma a aprendizagem de determinado conteúdo é aplicado na prática...”
Já o contato direto com a escola – o estágio – mantém o formato usual dessas práticas, quais seja: a observação, a participação em sala de aula junto ao professor regente e finalmente a regência. Esses estágios ocorrem em escolas conveniadas e preferencialmente públicas.
Com efeito, a criação de uma coordenação geral das licenciaturas, forma encontrada pela instituição A para reorganizar as licenciaturas tendo em vista as novas exigências do CNE tem favorecido alguns avanços na busca da articulação teoria e prática. Os agentes envolvidos tentam minimizar a dicotomia teoria-prática existente nessa formação. Contudo, não se altera a lógica da aplicação prática e a valorização do como aplicar esse conhecimento na prática.
Na Universidade B criou-se o espaço do Fórum de Licenciaturas para discutir as novas exigências do CNE buscando a observância das horas exigidas. Nesse espaço os professores discutem seus projetos de curso, as disciplinas que integram o currículo de cada licenciatura e a integração entre elas. Observa-se uma preocupação de adequar as horas exigidas na nova legislação e também de viabilizar a inserção do aluno nas escolas onde irão atuar desde o primeiro semestre do curso. Essa busca de inserção dos alunos desde o início do curso tem sido a marca dessa instituição. Na fala de um coordenador de curso:

Nós temos dois projetos pedagógicos, o projeto do bacharelado e o projeto da licenciatura. (...) A licenciatura é para formar o professor, então o projeto pedagógico foi adequado para isso e as horas de estágio também são cumpridas dentro da área escolar da licenciatura. O aluno não cumpre nada fora da escola pra formar realmente o professor.

E acrescenta:

Ele tem essa formação pedagógica desde o primeiro período. Ele sempre vai ter algo relacionado com a formação pedagógica e a escola. Todo um eixo que é ministrado pelo pessoal da educação e depois tem outra vertente que é ministrada pelos próprios professores da área específica com experiência na área da escola e da licenciatura.

Essa articulação com a prática desde o início do curso se faz através de disciplinas de Práticas Profissionais que totalizam 396 horas. Com efeito, essa solução encontrada pelo grupos de professores e coordenadores de curso discutidas no Fórum de licenciaturas mantido pela instituição constitui um avanço na busca de articulação teoria prática. Contudo, mantém a ênfase no estágio a partir do 5º. período e a lógica da teoria como guia da ação prática. Essa lógica, que está na base do esquema três mais um ainda prevalece nas diferentes instituições sendo que as particulares manifestam um movimento de busca para alterá-la e encontram-se à frente nesse sentido.
Já nas instituições públicas, as alterações ficam a cargo dos departamentos e é mais evidente a manutenção da cisão: pedagógico e conteúdos específicos, teoria e prática. Uma das universidades públicas, aqui identificada pela letra C, embora tenha criado uma coordenação geral para os cursos de licenciaturas, manifesta dificuldade de viabilizar a integração almejada. Em novembro de 2002 foi constituída uma comissão para adaptar as licenciaturas, atender as diretrizes curriculares nacionais, mas segundo a coordenadora foi muito difícil conciliar os interesses dos agentes envolvidos no memento de criar a comissão. Assim ela se expressa:

Convocamos o CEP, convidamos pessoas das licenciaturas, convidamos coordenadores, convocamos também o pessoal da educação, o pessoal de métodos, chamamos todas as pessoas e algumas pessoas ficaram. Porém, outras saíram do processo dizendo: “essa lei não vai pegar”, é o que ocorre sempre por aí.

Não obstante essas dificuldades, observamos que a instituição faz um movimento para articular teoria e prática inserindo, nas disciplinas de conteúdo específico da área, uma articulação com a prática de ensino daquela área. A coordenadora explica:

quanto àquele item , a prática como componente curricular, existem mil e uma interpretações de como fazer aqui (...) toda disciplina nós sabemos que tem uma dimensão prática, tudo isso é perfeito, tudo bem, tudo certo. Você vai me convencer que vai criar dentro da disciplina (...) uma ponte com a educação básica.

No entanto, não se pode ter garantia de que o professor individualmente vá fazer isso, embora seja o desejável. Então, a comissão achou por bem criar uma disciplina de 1ª. à 4ª. séries denominada disciplina articuladora que contempla 400 horas. Esta deverá estar articulada à escola e ficou a cargo da cada colegiado de curso a definição da ementa e sua forma de realização. Cada curso buscou a articulação com a prática das escolas respeitando as peculiaridades de cada área do conhecimento.

A coordenadora explica:

Os colegiados foram achando suas peculiaridades. Você tem matéria de instrumentação no ensino de matemática, matérias como laboratório de física e ciências e tem ensino de biologia. O mais bonito foi que eles foram chegando, sem imposição, a certos denominadores comuns. Eles estudam toda a legislação pertinente à educação, os PCNs e fazem uma ligação com a escola básica. Essa disciplina envolve todos os professores da série. (...) era sempre o que se quis: que as licenciaturas pensassem sempre em educação básica e em ensino. Não se bacharelassem...

E explica a disciplina articuladora dando exemplo:

As disciplinas articuladoras são organizadas por série. Então eles têm de 1ª. à 4ª. séries, por exemplo, de história, nós temos uma oficina de história 1, 2, 3, 4, 5. Lá eles tem cinco.

Com relação aos estágios, estes acontecem da metade do curso para o final e segundo a coordenadora alguns cursos estão indo muito bem e outros têm encontrado muitas dificuldades. Nas palavras dela:

Isso é um calcanhar de aquiles. (...) o estágio é da segunda metade do curso para frente. Então em alguns cursos está indo muito bem e em alguns cursos está indo muito mal.(...) Pelo pouco que eu sei a universidade já tem uma caminhada de conquistas com a escola. (...) Primeiro a universidade conquistou as escolas e depois foi para dentro das escolas.

Dentre as universidades públicas pesquisadas, a Universidade D é a que deixa clara a manutenção do esquema três mais um. A maioria dos coordenadores de cursos afirmou que para atender a resolução foram criadas disciplinas práticas e ampliada a carga horária de estágio nos dois últimos anos. A coordenadora de Letras aponta que a carga horária das disciplinas teóricas foi reduzida em função do aumento das horas de estágio. A maioria registra que o currículo foi alterado e as mudanças estão em processo de implantação a partir de 2009.
Na fala de um coordenador fica clara a preocupação com os fundamentos teóricos nos anos iniciais para posterior formação pedagógica implicando em opção do aluno após dois anos e meio de curso. Assim ele se expressa:

Aqui na Universidade nós oferecemos duas habilitações: bacharelado e licenciatura... como uma recomendação da própria estrutura curricular tivemos de pensar nos núcleos de formação de base e depois nos núcleos de formação específica. Os dois primeiros anos são comuns para qualquer uma das habilitações e na passagem da segunda para a terceira série o aluno faz a opção pela sua habilitação – bacharelado ou licenciatura.

Não obstante essa lógica dos três mais um, há uma tentativa de distribuir a prática, que antes era concentrada em dois semestres de estágio no final do curso, ao longo do curso. Nas palavras do coordenador:

Com o aumento da carga horária, procuramos contemplar as 800 horas e distribuir melhor a prática ao longo do curso. Tanto é que a oficina 1 e 2 sugere com essa finalidade. Ela tem um caráter prático que é de criar a identidade do estudante com a área de atuação. (...) Nós dividimos os estágios em estágio I e 2 que é de formação mais conceitual; o estágio 3 que tem a finalidade da regência de classe, tem a finalidade de integrar teoria e prática na licenciatura.

Observa-se que a tentativa de tratar da prática ao longo do curso mantém a lógica do esquema três mais um garantindo a articulação teoria e prática no último estágio do curso.
Também a Universidade pública E, para atender as 800 horas de estágio regulamentadas pelo CNE, alguns cursos tendem a aumentar a quantidade de disciplinas que promovem a prática dos alunos e outros procuram desenvolver no interior das disciplinas de conteúdos específicos algum tipo de relação com a prática de ensino. Há uma ênfase na formação teórica sólida para garantir uma prática conseqüente.
Nas palavras de uma coordenadora:

Nós temos 240 horas de estágio de docência e 240 horas de estágio na função propriamente dita do pedagogo nas dimensões de organizações de trabalhos pedagógicos de passes escolares e não escolares e temos outras dimensões que é a questão da pesquisa (...) o pedagogo pesquisador. (...) Além desses estágios que dá um total de 480 horas, nós temos algumas disciplinas facilmente ligadas à prática... Não abrimos mão de uma sólida formação teórica.

Essa lógica está presente na totalidade dos cursos e os estágios concentram-se no final dos cursos. Observa-se que as ações para adequar os cursos às novas normas ficam a cargo dos colegiados de cursos e não há um espaço, uma coordenação geral onde essas discussões possam ocorrer tendo em vista uma integração entre os cursos.
Nessas diferentes formas de encaminhamento das reformulações definidas pelo CNE percebemos que alguns cursos das instituições privadas rompem com o bacharelado. Isso sinaliza uma tendência dos cursos de Licenciaturas buscarem uma identidade própria.
Com efeito, as discussões nesses espaços – fóruns, coordenações de Licenciaturas – indicadas pelos entrevistados, as formas como encaminham a ampliação de tempo de estágio na determinação das 800 horas, nos possibilitam perceber a estrutura do pensamento educacional que está na base da organização desses cursos e a forma como concebem e encaminham a articulação teoria e prática na formação do professor.
Nesse sentido, percebemos que ainda é marcante a concepção de que uma formação teórica sólida garante uma prática conseguinte.
Os encaminhamentos, com raras exceções invariavelmente situam o memento da prática nos anos finais do curso, antecedida pela formação teórica.

A DIDÁTICA NAS PROPOSTAS CURRICULARES DAS LICENCIATURAS

Com relação à didática nesse processo de formação em desenvolvimento nas universidades investigadas, o que se verifica numa primeira aproximação com a estruturação desses cursos, é a perda de espaço dessa área do conhecimento e a mudança na sua abordagem. Em outros termos, a didática tende a priorizar aspectos específicos do fazer pedagógico, perdendo a dimensão de totalidade conquistada na década de oitenta do século passado.
Os dados coletados nos projetos pedagógicos dos cursos de licenciaturas de duas universidades do interior do Estado do Paraná e três universidades da cidade de Curitiba mostram que a maioria dos cursos deixa de oferecer a disciplina Didática Geral e volta a trabalhar o processo de ensino – seu objeto de estudo – em disciplinas específicas voltadas para as metodologias das áreas de conhecimento.
Em uma universidade pública do interior do Estado, por exemplo, dos 15 (quinze) cursos oferecidos, apenas os cursos de Física, Química e Música apresentam a disciplina de Didática Geral. Ela é encontrada também no curso de Pedagogia com as seguintes denominações: a) Didática: Trabalho Pedagógico Docente; b) Didática: Organização do Trabalho Pedagógico; c) Didática: Avaliação e Ensino. Já no curso de Filosofia encontramos uma disciplina denominada Didática e Teoria da Educação. Nos demais cursos, o processo de ensino é desenvolvido através das didáticas específicas, metodologias específicas, nas disciplinas de práticas de ensino e nas propostas de estágio supervisionado. Isso se repete com alguma variação, nas demais Universidades investigadas.
Além disso, quando a disciplina faz parte da proposta curricular, analisando uma primeira leitura das ementas e programas da disciplina aponta, em muitos cursos, a focalização na pessoa do professor ao elencar como temas de estudos: a profissionalização docente, o professor e a qualidade de ensino, os sujeitos da educação, dentre outros.
Já os dados levantados por meio de entrevistas semi-estrutuadas com coordenadores e professores, observa-se uma variação significativa nas iniciativas desses cursos, sobretudo no que tange à relação teoria e prática na formação de professores. Há uma busca pela aproximação da universidade com as escolas de educação básica onde esses egressos irão atuar. Contudo, pode-se observar que a lógica subjacente à organização desses cursos, via de regra valoriza a preparação do futuro professor com recursos técnicos tendo em vista posterior aplicação na prática de ensino no espaço escolar. Essa lógica se verifica nas disciplinas que compõem o currículo, incluindo as que focalizam o ensino, tais como: Didática Geral, didática específica, metodologias específicas por área de conhecimento.
Em decorrência, no que tange à articulação da Didática, geral e/ou específicas com as práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas de educação básica, numa primeira leitura dos programas verifica-se que o espaço da escola de educação básica são tidos como forma de ilustração, exemplos práticos que reafirmam os conteúdos trabalhados nas disciplinas; ou ainda como espaço de aplicação dos preceitos teóricos trabalhados na universidade.
Outro ponto importante que o estudo mostra é que o corpo de professores que trabalham a disciplina Didática nem sempre são professores oriundos do curso de Pedagogia e nem desenvolvem pesquisas na área da Didática. Nos sites informativos sobre os cursos das universidades pesquisadas, na maioria das vezes, são nominados os professores das disciplinas específicas e não há mensão aos professores da área de educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse estudo, partimos do pressuposto de que a didática sistematizada na literatura da área é a expressão de uma prática pedagógica que decorre de determinado tipo de relação social no interior do modo de produção que a sustenta. As formas como as classes sociais se relacionam vão se materializar em técnicas, processos, tecnologias, inclusive os processos pedagógicos que se realizam através de uma dada relação professor, aluno e conhecimento (SANTOS, 2005). Entendemos que a reconstrução do conhecimento da área não se faz por meio de reflexões exclusivamente teóricas, mas emerge das contradições presentes na prática de nossas escolas, expressando a prática de seus agentes ao vivenciarem essas contradições.
Desse ponto de vista, o presente estudo, ainda em processo de realização, sinaliza indicadores que marcam a Didática e seu lugar nos processos de formação de professores no contexto das novas propostas para os cursos de licenciaturas.
Assim, numa primeira aproximação com os dados da pesquisa em curso, podemos dizer que enquanto no período de 1985 a 1988 a didática trouxe como ênfase a dimensão política do ato pedagógico; no período de 1989 a 1993 a área trouxe para o centro das discussões a questão da organização do trabalho na escola e no período de 1994 a 2000 focalizou a questão da produção e sistematização coletiva de conhecimento (MARTINS, 1998); nesse início de século, esboça-se um quarto momento caracterizado pela ênfase na aprendizagem: “aprender a aprender” que tem sua centralidade no aluno como sujeito, não mais como um ser historicamente situado, portador de um conhecimento que adquire na prática laboral, mas um sujeito intelectualmente ativo, criativo, produtivo, capaz de dominar os processos de aprender (MARTINS, 2008).
Nesse sentido, entendemos que a perda de espaço da Didática numa dimensão mais ampla e a valorização das didáticas específicas e metodologias específicas das áreas de conhecimento nas atuais propostas de formação de professores expressam o novo momento do capitalismo no qual “as novas formas de exploração e controle da força de trabalho exigem um novo tipo de trabalhador, uma vez que a produtividade repousa cada vez mais na utilização do trabalho complexo”. (SANTOS, 2005, p. 42).
Ainda que os indicadores sejam desfavoráveis para a área, ampliar a compreensão desse momento da didática é o nosso desafio.
Auscultar e sistematizar os processo de formação de professores e o lugar da didática no conjunto dessas ações.

REFERÊNCIAS
ANDRÉ, M. E. D. A. de; ROMANOWSKI, J. P. O tema formação de professores nas teses e dissertações brasileiras, 1990-1996. In:
REUNIÃO Anual da ANPEd, 22., 1999, Caxambu (MG). Anais... Caxambu: ANPEd, 1999.
BALZAN, N. C.; PAOLI, N. Licenciaturas: o discurso e a realidade. Ciência e Cultura. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, v. 2, n. 40, fev. 88.
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2 comentários:

  1. Oi, Lília!
    Esse trabalho demonstra que a Didática é muito importante para o processo de ensino-aprendizagem e que deve estar cada vez mais presente nos cursos de formação de professores.
    Importante também a proposição de que as relações sociais influenciam a materialização de vários processos, inclusive o de formação de professores.

    Obrigada.
    Abraço.
    Carla Alessandra

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  2. DICA: Para atender à solicitação das professoras Vânia e Marilene, faça a separação, ou destaque, dos principais elementos do trabalho, como Objeto, problemática, objetivos, justificativa, metodologia, resultados e outros.

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